sábado, 5 de maio de 2012

A odisseia de Dublin

O dia começou normalmente, o mais tranquilo possível. Fui almoçar no Mensa com o pessoal, de lá voltei pro apartamento de Guilherme, fiquei deboando até considerar que já era tempo de arrumar minha mala. Mais uma vez eu tinha a difícil missão de colocar roupas em quantidade suficiente para durarem uma semana inteira sem fazer com que o volume da mochila estourasse as dimensões limitadas pela Ryanair. A solução pra resolver esse problema foi optar por uma única bermuda e duas camisas para serem usadas durante os três dias do festival. Afinal, se a galera passa 3, 4 dias acampando sem ao menos tomar um banho, não vejo problema nenhum em reutilizar a roupa suja.

Já havia decidido de que horas eu pegaria o trem para Bremen. Eu sairia de Braunschweig de 17:20, chegaria em Bremen de 19:40 e teria tempo suficiente para chegar até o aeroporto e embarcar às 21:55. E como eu tenho essa mania de fazer as coisas sempre em cima da hora, saí de casa às pressas, cronometrando os horários dos bondes para conseguir ainda parar na estação do centro da cidade para ir até o shopping e comprar um cartão de memória para a máquina fotográfica e voltar a tempo de pegar o próximo bonde para a estação. Nada como um pouco de tensão antes de embarcar, mas o sistema de transporte de Braunschweig nunca falha.

Pena não poder dizer o mesmo do sistema ferroviário nacional. Nas últimas semanas sempre estava rolando algum problema cuja razão eu desconhecia e acabava atrasando os trens que eu pegava. Pois é, eu não tinha me lembrado desse detalhe. Assim que cheguei na minha plataforma e olhei escada acima, vi o letreiro que anuncia o destino para o qual o trem parte com uma listra branca e uma mensagem se movendo na parte superior. Meu corpo inteiro gelou. Aquela listra só podia significar um atraso. Eu me aproximei do letreiro até conseguir enxergar o que a mensagem dizia, e a situação era pior do que eu pensava. Eram 50 minutos de atraso no trem. Logo em seguida anunciaram no auto falante que tinha chovido muito e alguns raios tinham danificado o trilho no meio do percurso de Braunschweig para Hannover. Resumindo: Fudeu!

Fui imediatamente para a máquina de tickets procurar quais outros trens eu podia pegar até Bremen, checar horários, etc, etc. A única opção que eu tinha era pegar um trem IC até Hannover e depois pegar um ICE para Bremen. O IC estava marcado para chegar às 17:50 e levaria meia hora até Hannover, e talvez se eu conversasse com os cobradores e explicasse o problema do outro trem que atrasou eu conseguisse usar meu passe de estudante e viajar sem pagar. Os minutos de espera foram agonizantes, terríveis. E a agonia aumentou depois que o relógio marcou 17:50 e nada do trem. Logo em seguida vinha o aviso de que o trem estava atrasado dez minutos. A angústia aumentava. Se ele atrasasse demais eu perderia o segundo trem.

Finalmente ele apareceu. E eu não era o único que queria pedir para viajar de graça. Um monte de gente avançou em cima dos funcionários do trem reclamando e eles acabaram liberando todo mundo para pegar o IC. E eu passei meia hora num dos corredores do vagão inquieto, me perguntando por que aquilo tudo estava acontecendo comigo, o que eu havia feito de mal ao mundo para merecer isso.

Cheguei em Hannover e corri para a plataforma do trem seguinte. Mais um atraso. Dessa vez foram uns cinco minutos, mas também foi um atraso. Embarquei e fui atrás do primeiro funcionário para comprar com ele um bilhete para Bremen. Tive que desembolsar 25 euros porque estava viajando de ICE, mas contanto que eu pegasse meu voo eu teria pago o preço que fosse. Agora só me restava esperar até o trem chegar em Bremen. Uma vez ele tendo saído da estação, só uma catástrofe para fazer o trem parar no meio do caminho.

Agora eu poderia me sentar numa cadeira confortável, mas a tensão era tão grande que eu me tremia. O coração pulsava acelerado e eu estava me sentindo quase enjoado de tão nervoso, mas eu precisava relaxar a todo custo, pois não havia mais nada que eu poderia fazer no momento. Liguei meu tocador de música e passei o resto da viagem olhando pela janela enquanto tentava não imaginar o que poderia acontecer se eu perdesse meu voo. Eu apenas perderia uma viagem para Dublin e o festival mais fodástico da minha vida, isso sem falar no dinheiro que já havia sido gasto nas passagens e no ingresso.

Cheguei em Bremen por volta das nove horas, quando deveria ter chegado às 19:40. O meu voo partia em míseros 55 minutos. Eu não podia perder tempo. Saí da estação correndo para o ponto de parada dos bondes. E mais uma decepção. O bonde que fazia a rota para o aeroporto a cada 20 minutos tinha partido quatro minutos antes. Ou seja, eu teria que esperar mais 16 minutos e outros 17 para chegar até o aeroporto. Se o trem não tivesse saído com atraso de Hannover eu teria pego o bonde na hora.

Não sei se as pessoas que passavam por mim percebiam alguma coisa, mas eu estava quase enlouquecendo. Andava de um lado para o outro me amaldiçoando, pensando como alguém podia ser tão zicado, começar o dia da melhor maneira possível e de repente ver tudo desabando à sua frente. Voltei a rezar, rezar como estava fazendo desde o trem de Hannover para Braunschweig. Rezei para tudo que existe. Para Deus, Alá, Buda, Odin, os deuses egípcios, dos índios, dos incas, para qualquer entidade que tivesse o poder de controlar os eventos que eu não perdesse esse maldito avião. Eu não merecia passar por isso. Eu havia planejado embarcar num trem que me faria chegar no aeroporto com duas horas de antecedência e agora estava ali esperando uma droga de um bonde faltando quase meia hora para o avião decolar. Eu podia ter pego um táxi. Não creio que o trânsito seria grande o suficiente para fazer com que o táxi fizesse o trajeto do bonde com uma diferença maior que 16 minutos. Mas eu estava numa situação que não conseguia pensar em nada. Só rezar. A contagem regressiva para a chegada do bonde durou uma eternidade até ele finalmente aparecer. Então mais uma vez eu me sentei para não ficar parecendo um maluco andando de um lado para o outro do bonde, abracei minha mochila e rezei para que tudo desse certo.

E assim, por volta de 21:40 o bonde parou em frente do aeroporto, a porta se abriu e eu disparei para a área de embarque. Ao chegar no local desejado, encontrei a fila de pessoas já no portão de embarque cheia de gente. Estava ficando mais aliviado. Quando entreguei minha passagem e meu passaporte para um dos funcionário do aeroporto e ele disse para eu me acalmar porque ainda não tinham começado o embarque, eu respirei aliviado. Eu havia conseguido. Não havia perdido o voo. Agora tudo o que eu queria era chegar em Dublin o mais rápido possível.

Só que não havia voos diretos de Bremen para Dublin. Eu ia primeiro para Londres e passaria a noite no outro aeroporto para embarcar de manhã para Dublin. O aeroporto de Londres estava lotado. Não havia um único assento disponível. Um monte de gente estava espalhada pelo chão do aeroporto. Os mochileiros de plantão tinham seus sacos de dormir para dar uma leve sensação de conforto. Eu encontrei um lugarzinho pra mim e tive que me contentar com o casaco que eu tinha para aliviar um pouco a dureza e a frieza do chão. Eu teria algumas poucas horas para dormir até que os balcões de check in fossem abertos de manhã cedo. Meu medo de perder o voo era tanto que eu cheguei a escrever num papel que se por acaso alguém passasse por mim depois das cinco da manhã e visse que eu ainda estava dormindo que tivesse a bondade de me acordar. Não queria correr o menor risco possível de perder esse voo. Mas meu nervosismo ainda era tão grande que eu mal consegui tirar um cochilo.

Então de cinco da manhã eu me levantei meio quebrado. Arrastei minha mochila, agora no modo com rodas ativado para que eu não precisasse ficar carregando ela, executei todos os procedimentos no aeroporto, cheguei tranquilo no meu portão e embarquei.

Finalmente, depois de passar pelas doze horas mais agonizantes de toda a minha vida, eu estava enfim em Dublin. Tudo havia acabado bem.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Um merecido descanso em Braunschweig

Então mais um mês de intercâmbio estava chegando ao fim. junho estava se despedindo, mas havia trazido com ele o verão, ótimas viagens e shows fantásticos. E julho prometia ser um mês ainda mais intenso.

Se tem uma coisa que é tão boa quanto viajar é planejar a viagem. O intercâmbio já estava na reta final. Em um mês e meio eu voltaria para minha querida cidade natal, e então era hora de me programar para visitar os locais que eu ainda estava interessado em ir. Com o período e o roteiro da viagem com os meus pais já definida, além das datas do Oxegen Festival na Irlanda e um show de Bon Jovi em Düsseldorf, eu precisava me organizar para que cada um destes eventos se interligasse de maneira perfeita.

E assim, depois de muitas pesquisas, eu finalmente conclui todo o planejamento da minha última viagem, que começaria no dia 7 de julho e se encerraria no dia 30. Tudo cuidadosamente preparado como vocês podem conferir a seguir:

Dia 6 - Saída de Braunschweig durante a tarde, pegar um trem para Bremen, pernoitar na Hauptbahnhof e seguir para o aeroporto.
Dia 7 - Chegada de manhã em Dublin, me encontrar com Rodrigo e Maria e turistar com eles pela cidade.
Dias 8/9/10 - Oxegen Festival.
Dia 11 - Mais um dia de turistagem em Dublin.
Dia 12 - Pegar um voo de Dublin para Bruxelas, turistar em Bruxelas.
Dia 13 - Pegar um trem de Bruxelas para Düsseldorf, ver o show de Bon Jovi, pernoitar na cidade.
Dia 14 - Pegar um trem de Düsseldorf para Braunschweig, arrumar minha mala, relaxar um pouco, dormir.
Dia 15 - Acordar cedo para pegar um trem até Munique, me encontrar com meus pais e turistar em Munique.
Dia 16 - Turistar em Munique.
Dia 17 - Turistar em Munique, alugar um carro e dirigir até Füssen/Schwangau.
Dia 18 - Visitar os castelos alemães e turistar pelas cidadezinhas.
Dia 19 - Seguir de carro até Konstanz e turistar por lá.
Dia 20 - Pegar um trem para Stuttgart e turistar mais um pouco.
Dia 21 - Turistar em Stuttgart.
Dia 22 - Pegar um trem para Paris e turistar por lá até o dia 25.
Dia 25 - Pegar um voo de Paris para Bratislava.
Dia 26 - Turistar em Bratislava.
Dia 27 - Pegar um trem de Bratislava para Viena e turistar em Viena.
Dia 28 - Pegar um trem de Viena para Munique, visitar minha amiga Camilla e fazer uma farra durante a tarde e a noite e pernoitar na Hauptbahnhof.
Dia 29 - Pegar um trem para Berlin, me encontrar com meu amigo Assis e seus colegas, e acompanhá-los na turistagem pela cidade.
Dia 30 - Enfim, pegar um trem de volta para Braunschweig.

Nada mau não é? Mas ainda vai haver muito tempo para essas histórias serem contadas, pois naquele momento eu estava em Braunschweig e tinha uma semana para relaxar ao máximo.

E assim a semana seguiu. Uma ida no boliche, uma ida num clube para nadar um pouco, umas cervejinhas e um churrasquinho no parque com a galera (acho que foi mais ou menos nessa época que nosso estoque de mais de vinte grades de cerveja que estavam no quarto de Poli e Guilherme desde a festa brasileira no final de abril finalmente acabou). Posso garantir com absoluta certeza que por causa dessa festa a cerveja que eu mais consumi na Alemanha se chama Hasseröder. Nesse período eu passei um tempo como convidado no quarto de Rominho e no quarto de Poli e Gui, então eu tive que compensar o incômodo preparando o jantar e lavando a louça da galera de vez em quando. A turma tomou gosto pela cozinha do apartamento dos dois. Quase toda noite tinha gente esperando pra filar o jantarzinho que era preparado lá.

 Uma tarde no parque com direito a um churrasco alemão e algumas cervejas Hasseröder na companhia de Alex, Barretão e do Meninão.

Uma das noites dessa semana acabou ficando marcada quando Kássio adentrou o quartel general dos brasileiros, vulgo quarto 40609 de Poli e Gui, erguendo seu pen drive como se fosse um troféu e dizendo que ali dentro estavam todos os arquivos necessários para a instalação do jogo Counter Strike. Nos instantes que se sucederem todos estavam indo para suas casas para trazer seus notebooks e instalar o jogo. O resultado final desta brincadeira foram algumas tardes e noites desperdiçadas na frente do computador por causa de um joguinho de tiro que todo mundo jogava quando tinha entre seus 10 a 15 anos de idade e eu só havia jogado umas três ou quatro vezes na vida. Obviamente então eu fui o maior fregue de todas as noites. Sempre era o que mais morria e o que menos matava. No auge da nossa jogatina chegamos a reunir dez pessoas conectadas ao mesmo servidor, estando todas elas confortavelmente instaladas no quartel e jogamos por horas e mais horas noite adentro.
O time formado por Kássio, Rodrigo e eu tentando derrotar nossos adversários que se encontravam no quarto ao lado, numa das inúmeras partidas de CS que jogamos durante essa semana.

Nessa rotina de acordar a qualquer hora, ir almoçar no Mensa, passar a tarde planejando minha viagem, escrever no blog, jogar counter strike, dar uma volta de bicicleta pela cidade, jantar, saír pra tomar uma cerveja num bar, ir pra uma festa numa boate e etc, a semana passou rapidamente.

E então chegou a noite de terça. Noite de Jolly Joker. Só que a galera não estava muito animada para ir pra lá, apenas Marcell, e eu acabei não me empolgando também e resolvi ficar em casa. Alguém tinha baixado mais um filme pra gente assistir. Um filme chamado Tron. Só que o filme era tão tosco que depois de uma meia hora eu comecei a considerar a possibilidade de ir para a Joker. Liguei para Marcell que me disse que a casa estava cheia de gente e que estava muito legal por lá. Não tive dúvida. Troquei de roupa rapidinho e corri para a parada de ônibus para pegar o último busão da noite.

E dentre todas as decisões que eu tive que fazer durante o período de intercâmbio, sem dúvida essa de não continuar assistindo o filme e ir para a Jolly Joker, a boate favorita da galera de Braunschweig.

Só que se por um lado não havia como a noite ter terminado melhor, o dia que tinha tudo para ser maravilhoso acabou por me trazer uma série de acontecimentos que me levou a um dos maiores níveis de desespero que eu pude experimentar durante toda a minha vida. Mas essa história merece um capítulo só para ela.