domingo, 17 de abril de 2011

O retorno da chave

O que fazer agora? O óbvio. Ligar para Rodolfo e dizer “E aí meu velho, beleza? Vou lhe contemplar com a oportunidade única de me ter como seu hóspede por uns dias!” E assim foi feito. Me mudeu de mala e mala e mala e mochila (sim, meus bens agora ocupavam o volume de três malas e uma mochila lotadas, apesar de eu só ter duas malas e uma mochila). Apesar de estarmos um pouco cansados, eu, Rodolfo e Marina não poderíamos deixar de curtir umas horinhas na Reeperbahn. E como não tínhamos bebida em nosso estoque, o jeito era beber na rua. E como beber na rua significa gastar mais dinheiro, era preciso saber fazer o investimento certo. O investimento da noite foram dois elefantes (Elephant), uma cervejinha simpática com dez agradáveis níveis percentuais de álcool. No início meus dois amigos estavam reclamando, mas no fim estávamos todos falando bobagem e rindo de qualquer coisa.
Voltando para casa era hora de arrumar minha cama. Um confortável pedacinho de chão coberto por calças jeans e casacos, um travesseiro e eu estava pronto para dormir. Afinal, para quem passou cinco noites num quarto apertado com outros seis machos numa Munique em plena Oktoberfest, eu havia aprendido que em certos momentos você tem que bater no peito e dizer “aqui é chão pai!” E foi chão. Três noites de chão.
Para pagar a minha estadia, nada melhor do que comprar um pouco de comida e fazer um almoço ou um jantarzinho de leve. Já estava até parecendo que éramos uma família, sempre fazendo refeições juntos e jogando conversa fora sobre como foi o meu dia no estágio ou como foi a aula dos dois na faculdade. Mas eu não poderia ficar lá para sempre, eu precisava de um quarto o quanto antes.
E então, depois de muitas tentativas frustradas tentando encontrar um quarto em sites especializados, resolvi entrar em contato com os alojamentos estudantis e procurar saber se havia algum quarto livre. No final havia um disponível até o fim de junho. Era justamente o que eu precisava.
Studentenwohnanlage Kiwitsmoor. Esta seria a minha morada nos próximos meses em Hamburgo. Um simpático alojamento estudantil no coração de uma rua cujo final está localizado na fronteira de Hamburgo com o outro estado da Alemanha. Se alguma vez eu havia falado mal de Barretão por morar na casa do Schunter, eu agora pagaria o preço pela minha judiação. Apenas 25 minutinhos de metrô até o centro da cidade, de onde eu pegaria mais 15 minutos de um segundo trem e mais 5 de um terceiro para chegar no trabalho.
Então na noite em que eu deveria me despedir do confortável chão de Rodolfo, muitas coisas aconteceram. Uma amiga de Braunschweig, Cristina, disse que tinha um ingresso extra para um show que uma banda chamada Belle & Sebastian faria na cidade. Ela perguntou se eu não teria interesse em ir junto e se havia algum lugar no meu quarto para ela dormir. Considerando que agora eu tinha um quarto, aceitei prontamente. Rodolfo e Marina se juntaram a nós e estávamos novamente nos arredores da Reeperbahn numa doite de terça pra curtir um showzinho de leve.
Findado o show, fomos todos para o alojamento para que eu pudesse pegar logo algumas coisas no quarto dele e levar para o meu. Papo vai, papo vem, vejo na internet que o metrô que eu precisava pegar já não estava mais passando. Teríamos então que andar duas estações em quinze minutos para chegar até a outra linha do metrô que me levaria até em casa. Sem condições de fazer o percurso a pé, eu e Cristina pegamos um táxi e chegamos lá a tempo. Agora estava tudo bem. Eu chegaria em casa por volta de uma da manhã e acordaria às quatro e meia para ir trabalhar. Tranquilíssimo, afinal, aqui é chão pai!
Só que o chão era muito mais duro do que eu imaginava. De repente veio à minha memória um “pequeno” detalhe seguido de um belo PU-TA-QUE-PA-RIU expressado com toda a sua sonoridade e enfatisando cada sílaba. Eu havia esquecido a chave do meu quarto no quarto de Rodolfo. Sim, o papai aqui mais uma vez fez uma bela de uma cagada. Cristina olhava para mim perplexa e dizia que ia me matar. Saímos na primeira estação e eu comecei a pensar nas alternativas. Teríamos que esperar meia hora até aparecer um ônibus. No final Cristina decidiu que queria voltar para Braunschweig de madrugada mesmo. Ela só não contava com o fato de que o primeiro trem saída quase às cinco da manhã. Claro que depois de um fora desses eu não podia simplesmente deixá-la esperando na Hauptbahnhof sozinha. Resultado de tudo isso: Passamos quase três horas na McDonald’s da estação sem poder dormir porque lá não era permitido, tentando conversar sobre alguma coisa para tentar fazer o tempo passar mais rápido, apesar do climão chato que ficou depois disso. Enfim chegou a hora da saída do trem. Eu ainda aproveitei para ir com ela até a estação onde ela trocaria de trem para aproveitar uma horinha de sono na ida e outra na volta. Retornando a Hamburgo, liguei para Rodolfo, que agora já estava acordado para ir à faculdade e me abriu as portas do seu quarto para me receber novamente. E aí não teve mais chão que eu aguentasse. Dormi o resto do dia no colchão dele mesmo.

domingo, 10 de abril de 2011

Hamburg - O Retorno

Segunda foi o dia das despedidas. Almocei junto com a turma do Brasil, arrumei minha mala (entenda-se: joguei as coisas dentro até não caber mais), e de noite cheguei em Hamburgo. Grande Hamburg! Nossos destinos se cruzaram novamente. Estávamos unidos desde o início por uma força maior.
Tá, deixando a babação um pouco de lado, lá fui eu carregando minhas duas malas e minha mochila pelo meio da rua. Ainda bem que o WG ficava a menos de dez minutos a pé da estação onde desci. Da última vez essas malas quase me mataram. Mas cheguei inteiro ao WG e fui recebido pelos meus novos colegas, um alemão chamado Marcus e duas alemãs, Franziska e Ann Christine. Batemos um papinho na cozinha enquanto eu comia a sobremesa que eles haviam feito e me despedi dos três cedo (dez e meia) para ir dormir, porque teria que acordar às quatro e meia (da manhã mesmo) para começar o meu estágio.
E o despertador tocou. Aquele sono maravilhoso havia sido interrompido em plena madrugada. Uma madrugada fria e escura, mas que eu precisava enfrentar para estar às seis da manhã em plena fábrica da Stulz e iniciar meus trabalhos. Foi difícil mas eu consegui. Lá estava eu, pronto pro que der e vier. E o que veio nos três primeiros dias foi o trabalho numa das áreas de montagem das máquinas. Passei os dias vendo quatro mecânicos divididos em duas duplas montando as máquinas. Era que nem um quebra cabeça gigante. Máquinas de 1,80 de altura, constituídas e centenas de parafusos, e canos, e estruturas metálicas e etc. Montá-las parecia até interessante, mas ficar só olhando era um saco, e eu passava os dias olhando pras máquinas feito um cachorro olha prum prato de comida só esperando os caras pedirem pra eu ajudar colocando algum parafuso, para pelo menos o tempo passar um pouco mais rápido.
Terminada a primeira semana de estágio, sem conhecer ninguém na cidade, a única opção que me restava era retornar a Braunschweig e passar o final de semana por lá. Apesar de a cidade já estar me entediando um pouco eu senti bastante falta dela. Nada melhor então que uma noite de sexta com uma festa num dos alojamentos de estudantes e muita gente conhecida para animar um pouco, com direito até a uma feijoada no domingo.
Depois era hora de retornar a Hamburgo porque a seman seria de muito trabalho. E a segunda semana não se mostrou muito diferente da primeira, continuei dando uma mãozinha pros mecânicos aqui e ali, de tarde voltava para casa e ter mais uma ou duas horas de sono para compensar o pouco que eu dormia durante as noites, assistia um pouco de tv, conversava sobre alguma casualidade com os meus novos colegas e passava o resto do tempo no computador, à espera do final de semana seguinte.
Agora eu estava pronto para reviver as noites boêmais de Hamburgo. Para isso entrei em contato com um velho amigo, Rodolfo, também recém chegado na cidade e saber qual era a boa da noite. Para começar um warm up no seu alojamento com uma amiga dele, Marina, e os vizinhos de andar do alojamento. Uma cervejinha aqui, um whiskyzinho ali, um pouco de música e um papinho pra conhecer um pouco a galera e então estávamos prontos para a Reeperbahn.
Grande Reeperbahn, velha de guerra. Se ninguém tem ideia do que fazer ou para onde ir, a noite vai sempre acabar lá e ficarão guardados na memória os momentos mais interessantes e divertidos ou histórias engraçadas (do tipo “um dia veio o porto e os tubarões se mudaram). E no sábado também não foi diferente, apenas mudou a galera, mas com os brasileiros sempre juntos. Se em Braunschweig eu vivia rodeado de engenheiros nascidos da Bahia pra baixo, agora estava na companhia de dois estudantes de direito vindos da mesma terra que eu. Enfim, simplesmente não dá para ficar longe dos brasileiros.
A rotina parecia estar começando a se estabelecer (acordar cedo, trabalhar, voltar pra casa, dormir mais um pouco, comer, desperdiçar a vida no computador, comer de novo, dormir), mas só faltava um detalhe. Meu quarto só duraria até o fim do mês. O tempo estava passando rápido e eu simplesmente não conseguia encontrar outro lugar. Todos os quartos que eu visitei neste período (e não foram poucos) tinham algum concorrente pela vaga. Ninguém gostava de mim, ninguém me escolhia e as minhas noites no meu quarto provisório estavam acabando. Gastei horas de metrô indo pra tudo quanto era canto da cidade, batendo papo com os donos dos quartos que estavam sendo oferecidos, tudo pra nada. Numa bela noite de sábado do início de abril eu me encontrava sem teto.